Aspectos Relevantes Sobre a Lei Maria da Penha.

Por: Diego Alves.

Colegas, hoje, iremos comentar sobre os aspectos relevantes da Lei n° 11.340/06 (conhecida amplamente como Lei Maria da Penha).

A Lei Maria da Penha foi instituída em observância, no plano internacional, da Convenção do Belém do Pará (promulgada através do Decreto n° 1973/96), bem como, no plano interno, do mandado de criminalização previsto no § 8º do art. 226 da Constituição Federal de 1988, que assim dispõe: “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.

É importante frisar que os mandados de criminalização são normas constitucionais, expressas ou implícitas, que determinam a criminalização ou o recrudescimento no tratamento jurídico-penal em relação a condutas ofensivas a determinados bens jurídicos, relativizando a margem de liberdade do legislador, que tem o dever de cumprir o mandamento constitucional. Ex: criminalização do racismo, com o plus da inafiançabilidade e imprescritibilidade, punível com reclusão (art. 5º, inciso XLII).maria da penha

Em conformidade com a norma constitucional, a Lei n° 11.340/06 não operou a criação de novas infrações penais, mas apenas instituiu tratamento mais rigoroso às modalidades de violências cometidas no âmbito doméstico, criando também mecanismos de prevenção, assistência às vítimas e políticas públicas, cujo foco principal visa à tutela da mulher na relação familiar.

Mas, ao tutelar especificamente a mulher, tal legislação poderia ser considerada inconstitucional, por ofensa ao princípio da igualdade?

Não! A Lei Maria da Penha é constitucional, conforme decisão do STF (ADC 19, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 09/02/2012).

Os principais argumentos favoráveis à constitucionalidade da referida lei foram os seguintes:

a) dignidade da mulher, em sua integridade física e moral (art. 1, III, CF/88);

b) princípio da igualdade, em seu viés substancial ou material, buscando tratar desigualmente os desiguais, tendo em vista que incumbe ao poder público instituir medidas afirmativas e políticas públicas para equilibrar a relação jurídica (que já nasce desequilibrada), protegendo a mulher – visivelmente mais vulnerável ante aos reiterados casos de violência doméstica (artigos 5º, XLI, e 226, § 8º, da CF/88);

c) teoria do impacto desproporcional, consistente no fato de que o Estado, ao abster-se de atuar afirmativamente, cria um impacto negativo e desproporcional especialmente sobre as mulheres, violando, por conseguinte, a igualdade material e a vedação à proteção deficiente dos bens jurídicos.

Neste sentido, a declaração da constitucionalidade da Lei Maria da Penha encerrou as controvérsias sobre os seguintes pontos:

1)O artigo 33 da Lei nº 11.340/06, ao dispor que “enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente”, revela apenas a conveniência de criação dos juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher, não implicando usurpação da competência normativa dos estados quanto à própria organização judiciária (arts. 96, I, “a” e 125, § 1º, CF/88), uma vez que a Lei Maria da Penha não implicou a obrigação, mas a faculdade de criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

2)Nos termos do art. 41 da Lei Maria da Penha, afastou-se expressamente a incidência da Lei n° 9.099/95 (que trata das infrações penais de menor potencial ofensivo) em relação às infrações penais praticadas com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista. Por consequência, as lesões corporais praticadas contra a mulher, no âmbito privado, independente da sua natureza (leve, culposa, grave, gravíssima, seguida de morte), observará o rito da ação penal pública incondicionada, dispensando-se a representação da ofendida.

OBS.1: Após a referida decisão do STF, qualquer crime praticado contra mulher no âmbito doméstico será de ação penal pública incondicionada? Não! O STF apenas declarou a constitucionalidade da Lei Maria da Penha, que, por sua vez, no art. 41, afasta a Lei n° 9.099/95 e os respectivos institutos despenalizadores.

Com efeito, não se aplica às violências domésticas contra mulher o art. 88 da Lei n°. 9.099/95, que, expressamente, impõe às lesões corporais leves e culposas a observância da ação penal pública condicionada à representação. Assim, para lesão corporal, a ação será pública incondicionada. Contudo, no que diz respeito aos crimes, cujas ações penais necessitam de representação da vítima por força de outras normas jurídicas, inclusive do Código Penal, permanece a exigência da representação como condição de procedibilidade. Ex: ameaça (art. 147, § único, CP) e estupro (art. 225, CP).

OBS.2: A Lei menciona expressamente que a renúncia à representação seguirá um rito diferenciado, admitindo-a apenas quando formulada “perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público” (art. 16), diferentemente do que ocorre no CPP, no qual a retratação da representação deve ser feita até o oferecimento da denúncia (art. 25, CPP).

Ressalte-se que este artigo ainda produz efeitos jurídicos, inobstante o STF afirmar que ação será pública incondicionada para lesões corporais, independente da sua natureza, já que remanesce em outras normas crimes perpetrados contra a mulher no âmbito doméstico, cuja ação penal é pública condicionada à representação, conforme dito acima.

Fixadas as bases de cunho constitucional, passamos à análise objetiva dos aspectos legais e jurisprudenciais sobre a Lei Maria da Penha.

Os requisitos para aplicabilidade da Lei nº 11.340/06 são:

a) violência, de natureza física, moral, sexual, patrimonial e psicológica (art. 7º), no âmbito doméstico e familiar (art. 1º);

b) sujeito ativo da violência poderá ser o homem ou mulher, enquanto que o sujeito passivo será apenas mulher (CC n. 88.027/MG, STJ, DJ de 18/12/2008).

c) motivação de gênero e em condições de hipossuficiência ou inferioridade física e econômica em relações patriarcais (HC 181.246/RS, Sexta Turma, STJ, julgado em 20/08/2013);

d) existência de uma relação íntima de afeto entre o agente e a vítima, independente da coabitação ao tempo do crime (HC 181.246/RS, Sexta Turma, STJ, julgado em 20/08/2013).

OBS.3: “o fato de a vítima ser figura pública renomada não afasta a incidência da Lei Maria da Penha, tendo em vista que a presunção de hipossuficiência da mulher constitui pressuposto de validade da referida lei, por isso o Estado deve oferecer proteção especial para reequilibrar a desproporcionalidade existente” (REsp 1.416.580-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 1º/4/2014)

maria da penha 2É possível a aplicação da Lei Maria da Penha em favor do homem?

Não. Conforme mencionado, a Lei incide exclusivamente em favor da mulher, sob o aspecto de uma discriminação positiva. Porém, os homens não ficam desprotegidos, já que o Código Penal no art. 129, § 9° e § 10º, dispõe, respectivamente, sobre hipótese de crime e causa de aumento de 1/3 em face de violência doméstica, cuja aplicação independe do gênero (RHC 27.622/RJ, STJ, Quinta Turma, julgado em 07/08/2012).

Aplica-se a Lei em relação às contravenções penais?

Sim, pois o fim social da Lei é combater a violência contra mulher, seja ela praticada através de crime ou contravenção penal. Nesse sentido, o STF entendeu que “o preceito do artigo 41 da Lei nº 11.340/06 alcança toda e qualquer prática delituosa contra a mulher, até mesmo quando consubstancia contravenção penal, como é a relativa a vias de fato” (HC 106212, Tribunal Pleno, julgado em 24/03/2011). Ademais, o STJ também sufragou essa orientação ao negar aplicação do instituto da transação penal na hipótese de contravenção penal praticada com violência doméstica e familiar contra a mulher (HC 280.788-RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 3/4/2014).

Os institutos despenalizadores (transação penal e suspensão condicional do processo) são aplicáveis em face de violência contra mulher no âmbito doméstico?

Não! A princípio, convém mencionar que a transação penal e o sursis processual são institutos despenalizadores que, respectivamente, flexibilizam o princípio da obrigatoriedade e indisponibilidade da ação penal pública, estando previstos no art. 76 e 89 da Lei 9.099/95. Com efeito, por força legal, haverá o afastamento desses institutos no caso concreto, conforme posição pacífica do STF e STJ.

De igual forma, não incide a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em face da violência praticada contra a mulher, haja vista que um dos requisitos essenciais ao deferimento da substituição é que o crime não seja praticado com grave ameaça ou violência, ainda que a lesão corporal seja leve (HC 114703, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 16/04/2013).

Ressalte-se que a Lei Maria da Penha não limita sua abrangência às violências perpetradas pelo (ex) marido/companheiro contra a (ex)mulher/companheira, podendo, também, ser utilizada na hipótese de brigas ou violência entre irmãos (HC 184.990-RS, julgado em 12/6/2012), ascendentes e descendentes, inclusive entre namorados e ex-namorados (REsp 1416580/RJ, julgado em 01/04/2014) e sogra e noras (HC 175.816/RS, STJ, julgado em 20/06/2013), desde que presentes os requisitos supramencionados, como relação íntima de afeto, motivação de gênero etc.

É importante salientar que a Lei em comento tem a finalidade de criar instrumentos preventivos para coibir a violência doméstica contra mulher. Dentre os diversos mecanismos, a lei prescreve as medidas protetivas de urgência, que visam retirar a mulher de uma situação de risco no ambiente familiar. Podem ser aplicadas em favor da mulher ofendida, como exemplo a separação de corpos, retorno ao lar, etc (art. 23); ou em desfavor do ofensor, tal como a suspensão do porte de arma, afastamento do lar, prestação de alimentos etc (art. 22).

Acerca destas medidas protetivas de urgência, o STJ firmou dois entendimentos atuais e relevantes, cujo conhecimento é imprescindível:

“As medidas protetivas de urgência da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) podem ser aplicadas em ação cautelar cível satisfativa, independentemente da existência de inquérito policial ou processo criminal contra o suposto agressor”. Isto porque a referida Lei se preocupa com a especial proteção da mulher submetida à violência, mas não somente pelo viés da punição penal do agressor, mas também pelo ângulo da prevenção por instrumentos de qualquer natureza, civil ou administrativa. Portanto, a tutela não é exclusivamente penal (REsp 1.419.421-GO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 11/2/2014).

“O descumprimento de medida protetiva de urgência prevista na Lei Maria da Penha (art. 22 da Lei 11.340/2006) não configura crime de desobediência (art. 330 do CP)”, tendo em vista que, uma vez descumpridas, o juiz poderá utilizar do poder geral de efetivação, previsto no art. 461, § 5º e 6º do CPC (multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial), para alcançar a tutela específica, bem como ainda poderá decretar a prisão preventiva do agente, nos termos do art. 313, III, do CPP. Tal entendimento é consolidado no STJ, com base na ideia de que a existência de sanções administrativa, civil ou processual retira a tipicidade do crime desobediência, salvo se houver previsão legal (RHC 41.970-MG, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 7/8/2014).

Por fim, ainda é relevante citar que é plenamente cabível a prisão em flagrante e a imposição de fiança em relação às violências de menor potencial ofensivo praticadas contra mulher no âmbito doméstico, já que não se aplica o § 2º do art. 69 da Lei 9.099/95, que assim dispõe “ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança (…)”.

Um abraço!

 Diego Bruno Martins Alves é Formado pela Universidade Federal de Alagoas – UFAL, em outubro de 2013. Técnico Judiciário no Tribunal de Justiça de Alagoas, desde 2012; Aprovado em 7º no Concurso de Analista do Ministério Público Estadual de Alagoas, em 2012; Aprovado em 10º no concurso de Analista do Ministério Público da União/AL, em 2013; Recém-aprovado no Concurso de Promotor de Justiça do Estado de Pernambuco, 2014 e Defensoria Publica da União (2015).

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